POTENCIAL FORRAGEIRO DA FAVELEIRA

Introdução

A caatinga consiste no tipo de vegetação predominante do semiárido brasileiro, onde está inserida grande variedade de espécies nativas, em sua maioria caducifólia de uso forrageiro, porém, essa utilização vem sendo exercida sem o devido conhecimento do potencial produtivo e quase nenhuma técnica de controle ambiental (DAMASCENO, 2007).

Ainda segundo o mesmo autor, esta região apresenta evapotranspiração elevada, comprometendo a produção de massa verde, provocando escassez de forragem, em qualidade e quantidade, nas épocas secas, limitando a produtividade do rebanho. Assim, a falta de alimento volumoso vem causando fortes transtornos econômicos, gerando aflição e problemas sociais, aos agricultores e pecuaristas do semiárido.

Na região Nordeste do Brasil existe uma diversidade extraordinária de plantas endêmicas e exóticas. Porém, a exploração predominante da caatinga tem sido precária, pois esta se encontra estagnada devido ao desaparecimento de muitas espécies de forrageiras herbáceas e ao desconhecimento dos potenciais forrageiros das mesmas (FILHO et al., 2011).

Conforme Arriel et al. (2004), muitas plantas da região do semiárido são de fundamental importância nesse ecossistema, por apresentarem alta resistência às adversidades do ambiente e constituírem importante fonte de alimentos para a fauna e, entre elas, está destacadamente a faveleira (Cnidoscolus phyllacanthus), ilustrada na Figura 1, cujo caráter xerófilo permite a sua sobrevivência, mesmo em períodos de secas prolongadas, contribuindo para o equilíbrio do ecossistema, atenuando a degradação ambiental.

Nesse contexto, visando minimizar as perdas econômicas e promover a sustentabilidade dos sistemas de criação no semiárido, torna-se bastante relevante analisar fontes de alimentação alternativas e viáveis para os animais durante o período de estiagem. Evidenciando essa necessidade, neste trabalho objetivou-se fazer uma abordagem acerca do potencial forrageiro da faveleira, suas propriedades tóxicas e composição química.

Figura 1 - Exemplares de Faveleira (Cnidoscolus phyllacantus). Fonte: www.esmeraldolopes.com /?pagina=caatingueira.
 



Cnidoscolus phyllacanthus (M. Arg. & Pax et Hoffm.) conhecida por favela ou faveleira é uma planta arbórea, xerófila, lactescente, que possui pelos urticantes (OLIVEIRA et al., 2008). Possui várias utilidades, dentre elas a produção de sementes comestíveis, remédios, lenha, madeira para construção, forragem para bovinos e pequenos ruminantes sendo também utilizada para a recuperação de áreas degradadas (ARRIEL et al., 2004).

Segundo Candeia (2005), o aumento do número de plantas arbóreas com potencial forrageiro possibilita a manutenção dos animais em regime de pastejo na caatinga, e consequentemente contribui para a conservação da vegetação e do ambiente em geral. O aproveitamento e o incentivo a pesquisas com espécies da caatinga podem assegurar o equilíbrio do bioma local. A faveleira apresenta boas características forrageiras, vegeta em solos rasos e pedregosos e a variedade inerme pode facilitar o manejo e a utilização dessa espécie pelo corte e fenação dos seus ramos, para alimentação animal.

Nesse âmbito, tendo em conta os problemas de desertificação e práticas agrícolas e visando a aplicação desta planta como alternativa de fonte de alimento para animais (SANTOS et al., 2005), várias pesquisas já foram realizadas. No entanto, mais estudos devem ser fomentados a fim de elucidar questionamentos ainda existentes no que diz respeito à sua toxicidade e valor nutricional.

Toxicidade

Resultados do trabalho de Oliveira et al. (2008), comprovaram a toxicidade de Cnidoscolus phyllacanthus e demonstraram que a intoxicação é causada pela presença de compostos contendo ácido cianídrico (HCN) na planta. Vários casos de intoxicação espontânea em pequenos ruminantes já foram relatados por produtores do semiárido brasileiro. Por isso, devido à presença de espinhos urticantes em suas folhas e ao seu potencial tóxico por conta do ácido cianídrico (HCN), a faveleira deve ser manuseada de forma cuidadosa e manejada de modo a eliminar sua toxicidade antes de ser fornecida aos animais (SOUZA et al., 2012).

Como medidas profiláticas, Oliveira et al. (2008) recomenda administrar as folhas que caem ao solo após o final da estação chuvosa, pois não são tóxicas; evitar o acesso de animais a galhos ou plantas recém-cortadas até pelo menos 30 dias após o corte; e, se administrada após o corte, é aconselhável que as folhas sejam moídas e secas ao sol por pelo menos 3 dias.

O ideal para a utilização da planta como forrageira é fazer feno para ser utilizado no período da seca. Neste caso, o feno com as folhas inteiras da planta terá perdido sua toxicidade em 30 dias após o corte das mesmas. Aliado a essas medidas de profilaxia, é importante também que, em propriedades do semiárido onde haja presença de grandes quantidades de C. Phyllacanthus ou outras plantas cianogênicas, o produtor tenha solução de tiossulfato de Na a 20% pronta em sua propriedade, para ser aplicada aos animais intoxicados por via endovenosa na dosagem de 0,5ml/kg (OLIVEIRA et al., 2008).

Composição bromatológica

Os altos valores de proteína bruta além da alta aceitabilidade e digestibilidade tornam esta planta uma fonte alimentar alternativa de grande valor nutricional, sendo recomendada para compor parte da alimentação dos animais, principalmente nos períodos de estiagem (SOUZA et al., 2012)

A composição bromatológica das sementes, amêndoas e das folhas, determinada por vários autores, encontra-se nas Tabelas 1,2 e 3.

Tabela 1 - Composição bromatológica das sementes da faveleira.





Tabela 2 - Composição bromatológica das amêndoas da faveleira.





Tabela 3 - Composição bromatológica das folhas da faveleira.





Como visto nas tabelas apresentadas, vários estudos comprovam o alto valor nutricional da faveleira. Todas as suas partes podem ser aproveitadas e entre os compostos majoritários nesta planta estão os valores de proteína bruta e lipídeos. Além disso, apresenta teor de digestibilidade elevado, possuindo boa aceitabilidade por parte dos animais.

Santos et al. (2006) encontraram as maiores concentrações de nutrientes da faveleira nas folhas, destacando-se as concentrações de cálcio e ferro, como também os maiores valores de proteína bruta. Considerando as exigências nutricionais dos ruminantes, as diferentes partes da faveleira estudadas se mostraram, quanto à composição bromatológica e mineral, capazes de suprir a dieta desses animais, na forma de rações, associando diversas partes da planta.

Em um estudo realizado com cabras da raça Saanen suplementadas com diferentes fontes de lipídeos - semente de faveleira, torta de faveleira e torta de algodão, não se encontrou nenhuma diferença significativa para produção de leite entre os diferentes tratamentos nem quando comparado com um grupo controle sem gordura adicionada na dieta.

No entanto, observou-se um maior consumo de matéria seca nos animais que não foram suplementados, indicando uma maior eficiência na produção de leite quando os animais recebem uma fonte lipídica que aumenta a densidade energética da dieta. Por outro lado, a composição nutricional do leite apresentou diferenças significativas para gordura e sólidos totais para os animais suplementados com torta de algodão e torta de faveleira, o que evidencia o efeito positivo das fontes de lipídeos sobre a qualidade nutricional do leite (MEJÍA et al., 2011). Corroborando com Silva et al. (2010), ao concluir em suas pesquisas que a torta de faveleira foi o suplemento lipídico mais indicado para suplementação da dieta de cabras Saanen em lactação.

Outro subproduto que também pode ser aproveitado é o óleo obtido a partir das sementes da faveleira, demonstrando grandes possibilidades de utilização para fins alimentares, pois já apresentou resultados satisfatórios além de benefícios à saúde (SANTOS et al., 2005 C).

Damasceno (2007) assegura que os teores de proteína bruta obtidos em todas as espécies de faveleira estudadas em sua pesquisa superaram o valor mínimo exigido pelos ruminantes. Dessa forma, os atributos bromatológicos obtidos sugerem a inclusão destas espécies na alimentação, para manutenção de ruminantes.

Considerações finais

Conforme o explicitado, pode-se concluir que a faveleira constitui-se em uma das mais importantes forrageiras do semiárido brasileiro devido a sua alta resistência à seca e ao seu valor nutritivo elevado, servindo de fonte alimentar para os animais durante a estiagem, evitando perdas econômicas para os produtores e assegurando a sustentabilidade dos sistemas de criação.

Dessa forma, suprimido o seu potencial tóxico, é indicada a suplementação nutricional da dieta dos pequenos ruminantes com o uso desta forrageira. Consoante a esta necessidade, pesquisas devem ser realizadas no intuito de dirimir dúvidas e fomentar o estudo, a utilização e valorização das forrageiras nativas da caatinga.

Neste sentido está sendo desenvolvido no Núcleo de Pesquisa em Bioclimatologia do Semiárido do Centro de Saúde e Tecnologia Rural da Universidade Federal de Campina Grande (NUBS/CSTR/UFCG), um projeto em nível de Pós-Doutorado, intitulado: "Sal forrageiro de faveleira (Cnidoscolus phyllacanthus) na alimentação de ovinos deslanados em diferentes ambientes no semiárido nordestino", sob a supervisão do Prof. Dr. Bonifácio Benicio de Souza, Coordenador do NUBS, sendo um estudo pioneiro que servirá de respaldo para outras pesquisas em áreas afins.

Referências bibliográficas

ARRIEL, E. F.; PAULA, R. C.; BAKKE, O. A.; ARRIEL, N. H. C. Divergência genética em Cnidoscolus phyllacanthus (Mart.) Pax. et K. Hoffm. Revista Brasileira de Oleaginosas e Fibrosas. Vol.8, n. 2/3, p. 813-822, 2004.

CANDEIA, B. L. Faveleira (Cnidoscolus phyllacanthus (MART.) PAX et K. HOFFM.) inerme: obtenção de mudas e crescimento comparado ao fenótipo com espinhos. Patos: UFCG, 2005. 47p. Dissertação de mestrado.

CAVALCANTI, M. T.; SILVEIRA, D. C.; FLORENTINO, E. R.; SILVA, F. L. H.; MARACAJÁ, P. B. Caracterização biométrica e físico-química das sementes e amêndoas da faveleira (Cnidosculus phyllacanthus (mart.) Pax. Et k. Hoffm.) com e sem espinhos. Revista Verde de Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável. Vol. 6, n.1, p. 41 - 45, 2011.

CAVALCANTI, M. T.; BORA, P. S.; CARVAJAL, J. C. L. Propriedades funcionais das proteínas de amêndoas da faveleira (Cnidosculus phyllacanthus (Mart.) Pax. et K. Hoffm.) com e sem espinhos. Ciência e Tecnologia de Alimentos. Vol. 29, n. 3, p. 597-602, 2009.

DAMASCENO, M. M. Composição bromatológica de forragem de espécies arbóreas da caatinga paraibana em diferentes altitudes. Patos: UFCG, 2007. 61p. Dissertação de mestrado.

DRUMOND, M. A.; SALVIANO, L. M. C.; CAVALCANTI, N. B. Produção, distribuição da biomassa e composição bromatológica da parte aérea da faveleira. Revista Brasileira de Ciências Agrárias. Vol. 2, n. 4, p.308-310, 2007.

FILHO, N. M. R.; FLORÊNCIO, I. M.; BRITO, A. C.; DANTAS, J. P.; CAVALCANTI, M. T. Avaliação nutricional de raízes de faveleira e cenoura em períodos equidistantes de coleta. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais. Vol.13, n.2, p.169-175, 2011.

MEJÍA, O. B.; NOGUERA, R. R.; POSADA, S. L. Composición de la leche de cabra y factores nutricionales que afectan el contenido de sus componentes. In: GIRALDO, L. F. G.; BOTERO, J. C. R.; QUIROGA, M. G. R.; MUÑOZ, M. F. C.; DURANGO, E. J. O. (eds.). Desarrollo y transversalidad - Serie Lasallista Investigación y Ciencia. 309p. Caldas, 2011. Cap. 7, p. 93-110.

MOURA FÉ, J. A.; HOLANDA, L. F. F.; MARTINS, C. B.; MAIA, G. A. Estudos tecnológicos da faveleira Cnidoscolus Phyllacantus (MART.) Pax et Hoffm. Ciência Agronômica. Vol. 7, n. 1, p. 33-37, 1977.

OLIVEIRA, D. M.; PIMENTEL, L. A.; ARAÚJO, J. A. S.; MEDEIROS, R. M. T.; DANTAS, A. F. M.; RIET-CORREA, F. Intoxicação por Cnidoscolus phyllacanthus (Euphorbiaceae) em caprinos. Pesquisa Veterinária Brasileira. Vol. 28, n. 1, p. 36-42, 2008.

SANTOS, J. C. O; NUNES, L. D.; DANTAS, J. P.; NÓBREGA, S. B. P.; PRASAD, S. Análise química e bromatológica da forragem da faveleira (Cnidoscolus quercifolius). Periódico Tchê Química. Vol. 3, n. 5, 2006.

SANTOS, J. C. O; DANTAS, J. P.; MEDEIROS, C. A.; ATHAÍDE-FILHO, P. F.; CONCEIÇĂO, M.M.; SANTOS Jr, J.R.; SOUZA, A. G. Thermal analysis in sustainable development: Thermoanalytical study of faveleira seeds (Cnidoscolus quercifolius). Journal of Thermal Analysis and Calorimetry. Vol. 79, n. 2, p. 271-275, 2005.

SANTOS, J. C. O.; DANTAS, J. P.; SOUZA, A. G.; CONCEIÇÃO, M. M. Caracterização química e físico-química do óleo da semente da faveleira (Cnidoscolus quercifolius). In: II Congresso Brasileiro de Plantas Oleaginosas, Óleos, Gorduras e Biodiesel, 2005, Varginha. Anais... Varginha: UFLA, 2005.

SILVA, G. L. S.; SILVA, A. M. A.; NÓBREGA, G. H.; AZEVEDO, S. A.; FILHO, J. M. P.; MENDES, R. S. Efeito da inclusão de fontes lipídicas na dieta de cabras em lactação sobre os parâmetros sanguíneos. Ciência e Agrotecnologia. Vol. 34, n. 1, p. 233-239, 2010.
SOUZA, B. B.; BATISTA, N. L.; OLIVEIRA, G. J. C. Utilização da faveleira (cnidoscolus phyllacanthus) como fonte de suplementação alimentar para caprinos e ovinos no semiárido brasileiro. Agropecuária científica no semiárido. Vol. 8, n. 3, 2012.